Dia: 11 de abril de 2011. Hora: 16h33. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) toca o telefone para o contraventor Carlinhos Cachoeira. Plugado no aparelho do mercador de jogos ilegais, o aparelho de escuta da Polícia Federal foi acionado. O grampo captou um diálogo revelador.
Trazida à luz pelos repórteres Marcelo Rocha, Murilo Ramos e Andrei Meirelles, a
conversa revelou que Demóstenes não se limitou a colocar seu mandato a serviço de Cachoeira. O tráfico de influência transitava por uma via de mão dupla. Dessa vez, era o senador quem pedia socorro ao contraventor.
Conforme a transcrição levada pela Polícia Federal ao inquérito da Operação Monte Carlo (documento acima), Demóstenes sondou Cachoeira sobre sua capacidade de ajeitar um negócio milionário no Estado do Mato Grosso. Envolvia a prestação de serviços de marketing relacionados à Copa do Mundo de 2014.
Demóstenes disse a Cachoeira que uma “agência de publicidade” pertencente a “amigo nosso” estava interessada no “negócio bacana”. Perguntou: “Cê acha que consegue?” E Cachoeira: “Uai, pode ser… Vou olhar isso agora. Se for interesse seu…” Mais adiante: “Não, eu acho que eu consigo.”
Decorridos quatro minutos, a dupla trava novo diálogo telefônico. Demóstenes informa que vai à casa de Cachoeira. Queria conversar pessoalmente sobre a transação. Investigação da PF descobriria o porquê de tanto interesse. Estava em jogo uma licitação dividida em dois lotes –R$ 13 milhões cada um.
Mais tarde, noutro telefonema, Cachoeira tratou do mesmo assunto com Cláudio Abreu. Vem a ser o representante da empresa Delta Construções na região Centro-Oeste. “Pega uma [um dos lotes da licitação matogrossense] pra nós”, diz o bicheiro ao interlocutor.
Essa nova troca de ligações adiciona sujeira ao monturo que soterrou a reputação de Demóstenes. Conforme já
noticiado, o senador servia-se do prestígio que amealhara para prestar serviços a Cachoeira no Judiciário, no Congresso e em escaninhos públicos como a Infraero, estatal que gere os aeroportos.
Demóstenes revelou-se um ex-Demóstenes também na Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Ali, o senador interveio para favorecer a Vitapan Indústria Farmacêutica, um laboratório pertencete a Carlinhos Cachoeira.
Sob holofotes, Demóstenes cobrava no Senado rigor da Anvisa na concessão de licenças de medicamentos. À sombra, revelam documentos internos da agência, pressionava a repartição para apressar a liberação de medicamentos da Vitapan de Cachoeira.
Foi o que sucedeu, por exemplo, com um processo de registro de um genérico do Algy-Flanderil, anti-inflamatório usado em tratamentos contra o indicado para o reumatismo. O laboratório de Cachoeira protocolou o pedido na Anvisa em maio de 2009. Depois, delegou o acompanhamento ao gabinete de Demóstenes.
Diante de resistências da Anvisa, o senador envolveu-se pessoalmente no caso. Pediu audiência ao presidente da Anvisa, Dirceu Barbano. O encontro foi marcado para 22 de fevereiro de 2011. Barbano cuidou de explicitar em sua agenda, exposta no site da Anvisa, o propósito da conversa: “Processos da empresa Vitapan”.
Demóstenes não gostou da exposição. Absteve-se de comparecer ao encontro que solicitara. Dali a sete meses, em setembro de 2011, o senador pediu nova audiência ao mandachuva da Anvisa. Dessa vez, alegou que desejava tratar de outro assunto: um “protocolo de câncer da próstata”. Foi esse o tema explicitado na agenda.
Dessa vez, Demóstentes foi à sede da Anvisa. Estava acompanhado de Silvia Salermo, ninguém menos que a diretora-executiva da Vitapan, o laboratório farmacêutico de Cachoeira. O interesse pelo “câncer de prostata” sumiu de cena.
Documento interno da Anvisa revelaria o que de fato interessava a Demóstenes: “3 processos da empresa Vitapan Indústria Farmacêutica Ltda. 1º 23351.004/99/2009-11 – 2º 25352. 75493/2011/98 – 3º 25351.004199/20009-11”.
A despeito da pressão, a Anvisa informa que os pedidos da Vitapan continuam pendentes de deliberação. Em meio ao vaivém, Demóstenes pôs-se a criar empecilhos no Senado para a aprovação da recondução ao cargo de um dos diretores da Anvisa, José Agenor Álvares.
Cabe ao Senado sabatinar e referendar as indicações de gestores das agências reguladoras. Demóstenes alegou a José Álvares que a marcação de sua sabatina esbarrava nas queixas de empresários goianos, entre eles Cachoeira, em relação ao tratamento que recebiam na Anvisa.
Demóstenes aconselhou a José Álvares que recebesse os empresários queixosos. Ante um aceno positivo, Demóstenes moderou o discurso. A reunião não chegou a ocorrer. Mas os esforços para intermediar os interesses de Cachoeira expuseram-lhe o calcanhar.